terça-feira, 30 de março de 2010

Sobre a espera

Ela guardou consigo, por vinte anos um caderno minúsculo, com as páginas em branco.
Escreveu nele hoje o mapa da viagem para seu interior.

Outra guarda três cadernos fechados, com páginas em branco que esperam um tempo incerto.

Fiquei num estado de perplexidade. Ter nas mãos um objeto tão precioso
que esperou vinte anos para ser escrito.

Também queria ter um caderno que pudesse esperar por palavras guardadas.
Palavras que esperam. O incerto. O tempo incerto. Da espera.

(material de vida compartilhado na aula de Acompanhamento de Processo Artístico, ministrado pela Artista Plástica Ana Flávia, na ong ARENA)

sexta-feira, 26 de março de 2010

trailler Pan-cinema permanente

http://www.youtube.com/watch?v=_Lc1z2g66As

e também
http://walysalomao.com.br/

Sob efeito de leitura de Waly Salomão (Tarifa de embarque)

Gota em gota
palavra por palavra
a língua na boca
estala
boca gota língua lambe a palavra.

e,

uma fala do Waly, no filme-documentário Pan-cinema permanente (2007)

"Chega de papo furado de que o sonho acabou

A VIDA É SONHO
A VIDA É SONHO
A VIDA É SONHO"

quinta-feira, 25 de março de 2010

Sobre a paisagem do outono no quinto dia depois de um começo.

Realizam-se na paisagem outras quedas e outros nascimentos.

Notas de trabalho: só poderia escrever sobre a Hilda Hilst sobre um signo de intensidade.

Ouço passar o vento, as folhas se arrastando no parque na tarde em que nascia o outono, mesmo que elas não tivessem lido o jornal. Elas sabiam que era hora de cair e rolar ao chão, no vento.

terça-feira, 23 de março de 2010

Escrevo na ausência de chão.

segunda-feira, 22 de março de 2010

O terceiro dia de outono

Entre o avesso e o direito, uma metade sem par e sua fundura oca.

Era algo tão imperceptível que ninguém notou.

Não há mais nada lá.

Um.

Ops. Desejo de alguma coisa sem-nome.

Quem? esse sem-nome.

Me leva?

Aonde quero ir?

lugar onde...

Persigo faminto e sem nunca.

É para isso que estou?

(onde, onde estás?)

na ausência a única possibilidade de presença.

A minha? Onde não estou?

Aqui, a todo instante não estando mais

em mim.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Crítica do filme A Fita Branca

Encontrei uma crítica importante sobre o filme A Fita Branca:
onde explica que o filme de certa forma

"tenta explicar a origem histórica do nazismo e do holocausto."

e critica principalmente a tentativa de tratar o nazismo como um problema exclusivamente germânico, procurando as causas psicológicas:

"Nesse sentido, tratar do holocausto como uma questão de patologia psicológica e marcadamente alemã seria ignorar a incômoda verdade de que o holocausto é o símbolo do fracasso da modernidade. O holocausto é uma questão planetária e germanizá-lo pode ser uma cegueira perigosa. Bauman conclui acertadamente que os defensores da germanização do holocausto acreditam que uma vez estabelecida a responsabilidade moral e material da Alemanha, dos alemães e dos nazistas, a procura das causas está concluída. Em outras palavras, suas causas foram confinadas num espaço e num tempo limitados, para nossa sorte, o passado. Não raro, o nazismo foi durante um bom tempo classificado como uma “doença alemã”, um “desvio da civilização”, um “momento de cegueira”, quando, na verdade, trata-se de uma questão ligada a gênese do mundo moderno. O holocausto aconteceu na Alemanha dos anos quarenta, mas poderia ocorrer na França dos anos trinta. Poderia acontecer hoje, muito mais próximos do que podemos supor. E é isso o que apavora: não vivemos um mundo diferente daquele que produziu o holocausto. Para Bauman, a tese de Haneke não resulta apenas no conforto moral da auto-absolvição, mas também em um tempo de desarmamento moral e político. “Tudo aconteceu ‘lá’ – em outra época, em outro país Quanto mais culpáveis forem ‘eles’, mais seguros estaremos ‘nós’, e menos teremos que fazer para defender essa segurança. Uma vez que a atribuição de culpa for considerada equivalente à identificação das causas, a inocência e sanidade do modo de vida que tanto nos orgulhamos não precisam ser colocadas em dúvidas” (fragmento)

http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/critica-do-filme-a-fita-branca

A Fita Branca

Indigesto, perturbador, confuso.
Preto e branco com a fotografia impecável.
O amigo insiste que lembra Bergman. É um insulto.
Bergman aborda uma das temáticas deste filme em Fanny e Alexander em 1982, com Arte.Também em Gritos e Sussurros, em 1972.
A Fita Branca aborda inúmeras questões, talvez tenha resolvido falar de todas de uma vez só, sem decidir muito bem como resolvê-las.
Mal-estar, náusea. Talvez seja o único mérito do filme. A insistente náusea e a perturbação vertiginosa
da quebra da possibilidade de dar continuidade a um sentido, ou mesmo do não-sentido. Fica tudo despropositado. Põe em cena a crueldade, sem explorar até o fim e deixa o vazio. O vazio. O vazio. Em preto e branco. Com uma fotografia impecável que também perde todo e qualquer propósito.

A invenção do cotidiano

(Correio do Povo, hoje:)

O outono começa amanhã, às 14h32min.

Cinema
Recomendado: A Fita Branca (sala Paulo Amorin 16h40)

Recomendo: Os amantes do Círculo Polar (sala Redenção do Campus Central da Ufrgs 19h, gratuito)

segunda-feira, 15 de março de 2010

"Sou leve, mas sem fundo"

Manoel Ricardo de Lima

sábado, 13 de março de 2010

Ele é solitário. Tem tanto medo ainda desse mundo
inventado. Destes papéis que têm tanto poder. E dessa
nossa vida tão pequena e tão frágil.
Ele diz aos poucos com sua voz do outro lado do telefone,
uma voz calma de quem está aguardando.
Ele aguarda. Ele aguenta. Ele espera.
E ri um pouco.
Nunca vi tanta força na fragilidade. Seu único
poder é este:sustentar o quebradiço estado em
que permanecemos.
Eu acredito em tudo. Cada palavra.
Conheço o seu segredo.
Agora a sua solidão é também a minha.
Tudo o que temos é o que nós não sabemos.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Para Ana

Tão pequena, ela
cores e sobre-peças escreve cartas como se fosse Clarice
e esta lá, sempre lá, ali,
na minha vida, tão pequena,
marcando o tempo,
me dá de presente um passeio inesperado,
no meu aniversário escreveu-me um
ideário, das palavras que nunca completo porque sempre falta ar.
e diz que sou "assim de vermelha e excesso, quase ruiva vazando".
Ana pequena, só você para nomear o meu desejo mais secreto:
se pudesse escolher seria a menina ruiva do conto de clarice.
Tão discreta, Ana, petit-poá,
um poema japonês colado na calçada da sorveteria Joia,
uma recusa, uma casa onde se pode dormir e acordar
E te digo agora: porque te amo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Para Ela, a menina de olhos-poças-d'água

Ela chora em desespero, a sós, no escuro. Escuto. Quando ele não escuta nada.

Ela chora para amparar o que levou ao corpo, tombar na pele,

um certo nunca, todomedo, tudo. Em silêncio.

domingo, 7 de março de 2010

Literafuro ou Da teciescrituração

“Eu te respiro-me” (p.34)

É só o silêncio o silêncio, o silêncio, o silêncio, o silêncio.

diz ainda: “a mais bela música é o silêncio interestelar. Desculpe, mas não posso ficar sozinha contigo senão nasce uma estrela no ar.” (p.66)

(Clarice Lispector - Um sopro de vida)

sexta-feira, 5 de março de 2010

Con siderare

Tarefa cumprida: sossegados, os ímpetos de fogo, de queimar tudo, até o último espaço livre. Era um novo habitar, novo caminho que hoje começava. Sabia que tinha os olhos nas estrelas avermelhadas do céu. Aquelas partidas há muito tempo, e que delas só restava o brilho lento da luz que demorava tanto, pois de tão longe vinha, que chegando aos nossos olhos, o que se vê é a memória de uma estrela. Vemos sua morte já apagada do outro lado daquela luz. Então, com a morte brilhando em vermelho-alaranjado amava também o que não tinha forma alguma na distância, o desconhecido absoluto do futuro, onde apenas lampejos de desejos tão vagarosos se formando com os restos do mundo.
Hoje, um ponto vácuo latindo no universo, poeira estelar vagando em não-matérias anônimas, que hão de vir. Espero.

Mini conto

Ele pára nu na frente do espelho e não imagina a
imensidão que o separa dela.
Vê seus olhos, seu sorriso, quer estar mais
próximo. Ele está nu e cansado.
Na cadeira onde está sentado, enquanto acontece
uma oficina de escrita,
duvida de si mesmo, sobre seus anseios literários,
perde a referência do próprio
desejo e fica angustiado, repentinamente. Como se nada
naquele instante se
pudesse alcançar. Nem as palavras que ele próprio
espera dele, nem a mulher distante
que já não encontra há algum tempo.

Os temas da oficina o agradam, o fracasso,
a espera sem objeto de espera, e
a escritura, como a única matéria pulsante,
em vidas quase desesperadas?
Mas a escrita também pode ser outra coisa?
Talvez se ela não estivesse tão
distante assim? Se talvez ela lhe dissesse
que sentia saudades do tempo
em que estiveram juntos? Que ele não estava
nu e sozinho, patético a
mirar um espelho. Mas ao contrário,
estava sentado ao lado dela na oficina de
escrita no meio de uma tarde de vento,
e que quando pudessem sair a rua,
veria seus cabelos esvoaçantes?

Ele não sabe.
Escreve pequenos textos como este:

O peso
sobre a pétala
no pousar de uma borboleta
(hoje) fere meus lábios de você.

Ela sorri para ele.

Qual será a verdadeira distância entre
um homem nu, sozinho, e sua vontade?

...
Exercício realizado na Oficina de Escritura Vita Nova
VIDARBO, em setembro de 2009 e postado no blog:
http://oficinasdeescritura.blogspot.com

quinta-feira, 4 de março de 2010

AMOR E MORTE

DUPLO
PAR IRMANADO
AMOR E MORTE
AMOR E MORTE
AMOR E MORTE

O QUE VOCÊ QUER DE MIM?

AMOR E MORTE?

O QUE VOCÊ QUER
AMOR E MORTE?

UM DESFILADEIRO
UM FIAPO DE SANGUE
CORRENDO INTERMITENTE
NO CANTO ESQUERDO DE MIM

O QUE DESEJA
AMOR E MORTE?

O QUE DESEJA?

INVENTAR UMA PELE LUMINOSA
MACIA E TRANQUILA

UMA PELE DE VONTADES
QUE SE TEÇA LENTAMENTE
COMO QUEM DORME UM SONO
INFINITO...

ESTA É A IMAGEM
DE UM MORRER.
E AO MESMO TEMPO
A IMAGEM DE UM ACONCHEGO

AMOR E MORTE
ERA ESSE O DESEJO,
NÃO VIA?

ESSE É O NOME SECRETO DO DESEJO:

AMOR E MORTE
AMOR E MORTE
AMOR E MORTE

terça-feira, 2 de março de 2010

Quando

Quando amanhecer e eu tiver
Uma medida justa apenas de palavras cantadas
Recebendo azul e depois o verde, e depois o branco.
Azul celeste abrindo o que não chega.
Verde para ficar ao chão, rente ao musgo.
Depois o branco.
O branco inundando de presença a tua ausência,
E ali se aconchegar, na concha das mãos que não vieram.
Pois que das demoras e das esperas,
Vão acontecendo os fios que fiam silêncio e
Desapareces de mim, meu estrangeiro, amor que ardi no futuro,
Sempre mais um futuro por dizer.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Diálogos

Isabela, minha filha, na época com 3 anos, acorda uma manhã, brinca um pouco em silêncio, depois me dirige o olhar e pergunta:

- mamãe, onde fica o mar perfeito de areia rosa?

- o que você disse, repete que a mamãe não entendeu (para ganhar tempo).
ela repete.

- Er... acho que fica... no país das fadas (!)

- Ah sim!!! Lá onde mora a Uniqua?

- Sim, lá mesmo.

...

Hoje, no banho, Isa com quase 4, começa a contar sobre o beijo do peixe e da borboleta. Eu pergunto:

-mas Isa, como pode um peixe que vive lá embaixo da água, beijar uma borboleta que vive voando pelo ar? Ela responde:

- É que eles se beijam pelos olhos.