quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Antigo, [2009] achei movida pela voz de Ana Cristina Cesar

Fui ler antigos e guardados, hoje longe, soa bonito, se chama

Fevereiro, 17

Eu que já pedi chorando para que não me deixasse. Eu que já chorei sozinho tantas vezes. Perdido na incompreensão da falta. A falta da infância tão dolorosa e tão simples de ser suprida, se.
Eu que nesta hora te abandono. Eu que nesta hora me desperto para o segredo de uma distância íntima, em que atravesso águas e pedras, mas sempre sozinho, sempre, num lugar onde amor congela e as paixões sobrevoam em precipitais tormentas nebulosas. Paixões com gosto de inefável e impossível porto. Paixões cegas e com referências brancas, que nunca serão preenchidas de continuum, porque o amor, tristonho, me arremeda para lugares longes de um solo, longe de qualquer ancoradouro.
Eu diria que estou cansado e que não posso mais continuar, mas não é verdade. Sinto uma tristeza tristíssima e me penso, assim, atordoado entre resoluções próprias e fins.
Eu diria que o amor é um engodo, lugar de não estar. Diria que o amor é o que eu não conheci, e errando sempre, repudio a possibilidade de habitá-lo.
Estranha conjunção esta de abolir o vínculo que me tornaria dois.
Estranho o choro que me encontro. Quando sou eu que decido por este fim.


escrito em 17 de fevereiro de 2009, desejo de escritura misturado com esta escrita de diário, e nem uma coisa e nem outra. Um dia chego lá, onde "A poesia não comunica" Ana Cristina César, em:

http://radiobatuta.com.br/Episodes/view/482

domingo, 10 de novembro de 2013

Trecho do projeto da tese Livre para fracassar: a trilogia erótica de Hilda Hilst Leituras, agosto de 2013

Sobre o despertar

Despertar é antes de tudo uma vontade.
I
Ele amanheceu de repente. O semicerrar dos olhos abriam devagar a manhã e uma imagem, como se, pela primeira vez, uma manhã no mundo. O corpo despertou lento entre o ar molhado da espera que uma noite deixou e... Ser um despertar no tempo. No escuro. Espiar aos poucos um ponto. Um acaso do tempo. Ser corpo, molhado ao relento. Escuro grilo e ruído úmido. Despertar não parece nem um pouco possível. Experimento o cheiro das coisas deixadas quietas tempo demais. Sentir com a ponta dos dedos o tecido que cobre o corpo. Ter nas mãos um punhado de ar e um bocado grande de escuro.

II
Acreditar pode parecer tolo. Somente os tolos creem. Pois ele acreditava possuir alguma coisa de muito valor. Escrever euforicamente sem ter nenhum propósito do que encontrar um ponto de passagem. Uma fenda, uma abertura. Começa pelo meio de uma grande impossibilidade tomada nas mãos. Foi assim: de súbito ߛ. E eis que tomado por uma grande incompreensão resolveu não ignorar mais algo que insistiu em insistir.
Ou depois de certo período de tempo.

III
Os passos são muito leves. Ela não ouviu ele chegar. Não saber que alguém ou algo está vindo é o que costuma lhe acontecer: não saber. Estou preocupada em encontrar um enredo, uma amarração dos fatos que virão. Quando eu olhei você pela primeira vez eu não reparei em nada especial. Foi depois de algum tempo, dias até, para que alguma coisa se colocasse, se tornasse perceptível. Estou revendo as cenas, eu me lembro que comentei algo sobre o seu texto. Foi isso, numa aula ninguém escutava o que você estava se esforçando para dizer. Mas sem saber o que eu estava fazendo eu simplesmente olhei para você, escutei a voz do seu texto e contei para o seu pequeno coletivo da existência da sua voz. Mas eu não sabia, nada, nunca, não imaginei por um segundo sequer que eu pudesse ficar tão cega por uma única voz.
Talvez seja porque há algo de enigmático no que poderia ser tão banal.
Certa vez um escritor disse que não se pode entrar no círculo magnético de outro sem isso causar estremecimento. Você pediu que eu não contasse nada respeito, mas veja, isso não é um problema já que nunca tivemos uma chance. Sequer de nos conhecer.
É verdade, eu sei que você pensa que eu vou agora inventar uma história fabulosa. A verdade é que eu tenho bem pouco a dizer. Eu posso dizer que um gato gritou agudamente neste exato instante na minha janela e cheguei a me assustar. Esses gritos que às vezes se estendem e não deixam ninguém dormir. [Silêncio]. Por enquanto foi um grito único e tão irrepetível que parece ter sido absorvido pelo ruído ao fundo. Ruído que me faz lembrar de que eu moro em uma cidade que tem ruas e carros que cruzam as ruas quase sempre, sempre tem um ruído do mundo.


IV
Você aceitou pela primeira vez. Você não fugiu. E não me deixou a sós. O que é algo inteiramente novo para mim. E eu disse: de repente é tanto, que eu não sei o que fazer com você. Eu realmente fiquei sem saber, logo em seguida, outra vez. Será que isso . É algo novo. Escrever uma história me remete a um escritor que conheci uma vez. Ele não gostava de ser poeta no mundo, mas para ele não era uma escolha. Era quase uma covardia viver com um punhado de palavras das quais ele não podia se desfazer. Aos poucos ele foi assumindo esse jeito de errar todo dia, quando nenhuma palavra basta para dizer daquilo que ele nunca vai dizer. É um homem atormentado esse. Mas ele ri às gargalhadas, ele se torce no chão como uma larva, dá pulos e giros. Ele é pura larva, um estado bruto pronto para implodir o espaço-tempo. E pronto para ser esmagado, surrado. Uma larva branca se contorcendo de tanto rir do vazio absoluto que encarna nos objetos às vezes. Nos objetos que ele usa todos os dias e esquece então que é poeta e que algum dia algum poema foi escrito.


V
Esquecer é bom. Esquecer um pouco. Não ter mãos, ou corpo, ou pernas. Não saber usar o corpo ou as pernas assim como as palavras. Conheço um bocado delas, mas não sei qual seria a melhor combinação entre elas. Às vezes penso que escrever é só um jeito de esquecer, um jeito de dizer outra coisa, e depois, amontoado de coisas não ditas.


VI
Descobrir que escrever não tem nenhum valor. Nenhuma serventia, função ou propósito. Que escrever não serve para nada mesmo, mas mesmo assim escrevo e digo que vou amar a vida inteira Marguerite Duras e o seu sinthoma e a sua dor.
Eu sei muito pouco sobre as coisas. Eu tenho medo que tudo desapareça, que o rosto se desfaça. Eu tenho medo de estar sempre presa num pedaço de tempo. Inventamos um projeto. Uma engenhoca de continuidade. Não sabemos bem o que continua. Chego a desconfiar que nunca existiu antes e o que surge agora é feito de uma primeira vez tão nova que dá medo de usar. Ele me ofereceu um sim e tive medo de aceitar. Porque era um sim que eu não conhecia. Mas ele foi tão doce e deu passos tão leves na minha direção que eu achei que não faria mal aceitar esse sim tão inesperado.
Descobri que tenho medo desse sim apesar de tudo. Tenho medo de ficar sozinha com um GRANDE sim nas mãos e de repente ele ter se transformado em um grande não.
Calma! Tenha calma, aceite esse sim. É o medo de me desintegrar.