domingo, 24 de junho de 2012

Tinha também uma queda d'água, mas nós não reparamos nela a tempo, que estava gelada demais, que ela ia congelar todo o resto, não vi que o gelo era a parte mais dura daquela história. não vi que o gelo ia matar , não eu não vi, nem reparei, que o amor gelado da morte já estava lá.

"um lanceado sob a ponte. e a força da água não diz a sombra do meu braço, magro, encostado no parapeito. a solapa do limite é meu corpo. posso gritar um drama: death, oh, my death, beacause my eyes aren't closed. esta é uma parte que punge urge e me roça na parede, uma parte que bebe e que é nunca. se a caliça não cumpre, não tem jeito, mas foi este meu alvoroço de espera. e as portas até esperam, mas não como as pessoas. um próximo e feio rangido. a cicatriz dos ausentes num pedaço de lodo penso: alluvione, alluvione. os estilhaços de tempo. amor retorcido ao léu. às vezes tudo se reduz a entulho, a pó, a medo e a uma ou duas variantes de coragem. a marquise de água, por exemplo, a água da avenida, os três metros quadrados de marquise e aquelas calandras num sobrevôo pelos arredores, e um céu techinicolor. são rodopios num sem fio. amor que inventa leveza abraço perjúrio e nojo: às vezes é impossível ficar acordado, ou dormir. o gesto é até possível, quase cancro ou soco na boca."

[De: LIMA, Manoel Ricardo de - o quadrado branco, um - "Quando todos os acidentes acontecem". Rio de Janeiro:7Letras, 2009.]

segunda-feira, 4 de junho de 2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Um passeio pelas caixas do passado I

Título de um texto de Mário Pedrosa, de 1967, Um passeio pelas caixas do passado vai comentar o uso da caixa pelas vanguardas brasileiras e depois vai fazer um breve brevíssimo passeio por certo fascínio, ou começo de uso de armários e caixas, baús, renascentistas do Quatrocenos. E termina o texto com a seguinte frase:"(Mas e a caixa nisso tudo onde fica? Veremos depois)".

Mas tudo isso para dizer que fui hoje a uma das duas caixas que guardo infindáveis papeizinhos, cartas, poesias ruins escritas há muito tempo atrás, e me senti 'passeando pelas caixas do passado'. E entre muitos escritos, alguns pavorosos, encontrei uma ou duas frases que resolvi resgatar:

"Nas dimensões dos poetas
Tudo é vasto e tudo
pode ser devastado"
(06.12.2002)

"Confesso mais esse crime de outono: querer amar de novo!"
(24.05.2000)

"Porque a realidade muda de tom?
Se os dias são as distorções
Do reflexo de meu sentimento
Não adiantaria mudar o passo,
o vento o espaço"
(1997-2000)

E também reli cartas escritas em 2002 para mim. Parece que a força delas me atingiu hoje, dez anos depois. Pequeno lapso de tempo. Também poderia se chamar: quando 2012 encontra 2002.