domingo, 28 de dezembro de 2014

Estudos

"O poema expõe-se ao acidente" "esse demônio do coração" "nunca se junta, antes se perde
(delírio ou mania) expõe-se à sorte, ou deixa-se, antes, despedaçar
por aquilo que vem sobre ele".

(Derrida, 2006, 115/116)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Acordo as manhãs

[Para Mathieu Wainsten]

Ainda acordo nas manhãs com vc no olhar. Acordo as manhãs. E limpo, escavo o ar. Penso, sua vida, tudo o que vive, pensamentos. Às vezes nossos olhos se encontram na distância, e eu fico solta sobre essa linha muda. Não faz nenhum sentido guardar os livros por aqui. Não faz nenhum sentido acomodar a vida futura aqui. Mas você, único, e ainda assim, capaz de maltratar, caso seja necessário. O seu amor é bonito, a dedicação sacrificial e muda, muda muda nos seus olhos doces, e ao mesmo tempo lá, inacessíveis, voláteis, um corpo que convulsiona mudo sobre a cama.


Acordo as manhãs
Levantei e ainda era escuro, ritual exíguo, esse, que cumpro sob a proteção das estrelas, o chão sempre um pouco úmido, tenho esta tarefa a cada despertar. Eu saio da cama e vou em direção a porta, abro e respiro o ar fresco do noturno, espio as sombras as quais não distingo bem, silhuetas orgânicas crescem às vezes, envolvem o horizonte como se fechassem de repente todas as portas. Nessa hora me atravessa a garganta um ligeiro terror que pousa e arranca acelera meu coração, logo de partida. Munido então, dessas certezas da escuridão, sua beleza, seu cheiro frio e a cortante agonia, esforço faço caber na mão, arqueando os dedos em direção as bordas delicadas desse mistério, agito os braços energicamente no ar, sacudindo a rouquidão do mundo, o meu mutismo, e o ponto negro bem no meio da pupila. A noite se agita, tremeluzente, escorre de leve e por fim, vencida, densa matéria se torna quebradiça, e se esfarela inteira. Faço um último gesto, mais preciso e mais grave e as últimas partículas se vão pelos ares. Deixo o movimento cessar leve e observo novos tons que se formam no horizonte. Começa azul escuro, depois fica azul claro e depois rosa, rosa quase cintilante, pontos fracos de luz brilham novos, eles nascem frescos, trazem consigo o ar molhado, a lembrança no corpo, o noturno em despedida. A cada noite minha sou levado outra vez, e outra vez e outra vez repito este gesto de acordar as manhãs.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

diálogo

- e não se fazem mais homens como antigamente, de serenatas,
de amor meloso
https://www.youtube.com/watch?v=8QKlS1hTZRo

- sim, não fazem hehe
mas nós podemos ser

- homens de antigamente?

- xxxx receberá flores na sexta
não, mulheres melosas.

- ah sim eu sempre amei mandar flores.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Correspondência

"Falta-me algo. Que só palavras bem escritas podem revelar-me.
Ser e não estar. Estar e já não ser" (Grilo-falante, 2002)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Instruções para quem procura uma saudade perdida:


Para desfazer um engano, em manuscrito,
lembre do lampião colorido por mãos chinesas, e da água que evaporou da calçada a tarde,

Com uma colher de chá raspe a beirada da cena que você desenhou na sala do cinema
em meio ao ruido e deixe cair a pena
nessa rua da qual você conhece o nome e o número
onde ela morou.

Guarde os seis passos do portão até beira da calçada, as roupas dobradas com cuidado sobre a cadeira e o ar deslocado no soco em direção
ao estômago que não chegou a tocar a camisa.


domingo, 21 de setembro de 2014

Sobre a partida I

"Nunca houve lugar para nada"

- Mas a arte é uma invenção de lugares.

[Exíguo: De pequena proporção, diminuto, escasso.]

Criar nesse limite exíguo, do que sinto que há e

Como se despedir de uma alegria?

Como unir os pontos em uma deriva?


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Tenho certezadúvida de que ele me ama.

domingo, 13 de julho de 2014

Lavanda fresca e sálvia

, un vol, a meio – miroir, olhamos o horizonte como maus atiradores de facas,
e tentamos roubar ainda, uma janela para o meu quarto, e o sonho de outra manhã,
O mundo bem que podia ser sobre patins e outros porquês
Maldade é dizer assim: esforço imaturo: modulações de uma dor. Guardo ternuras
mais íntimas que,
Um pedaço de terra, ou uma luz, não,
Quem sabe é só uma tolice, e uma alegria rara tatuada no peito.

sábado, 5 de julho de 2014

Gerais


ias, ou do que r: era uma vez um menino antigo chamado Abarebu, tinha feijões amarelos e um dia atravessou um abismo segurando apenas um fio pelas mãos.

VI
Escrever a sós em salas de embarque, Campinas – (in) contáveis: da primeira vez à última – passagens: quando ela ficou fora de rota, de repente. Um.

V
Andar pelo corredor de uma casa, entrar num quarto e me deitar ali no escuro. A luz que entra pela janela quando amanhece. Sentir o cheiro do café-tinta de manhã. Eu me lembro dos espaços: tomar banho no banheiro, me maquiar ali sob uma pia estreita, a cor marrom claro do azulejo, a distância entre a mesa e o sofá.

IV
O frio de fim tarde em abril.
Andar pelas ruas à noite. Cachaças artesanais ou cervejas. Formigas.

III
A cozinha aberta, o muro de uma casa como parede,
Ar, para os cigarros que eles fumavam antes de dormir.

II
O abacate mais gracioso: o verde-claro e o maduro, dois: de presente.

I
Carnaval. Uma serra, antes do incêndio. Vaga-lumes antigos numa fotografia em preto-branco, dentro de um livro. Alguém mostrou e ele publicou, e eu conheci antes do antes dos vagalumes do depois.
Quartos, cidades, duas vozes extenuadas, dois morros a pé, um gato amarelo. Variações de estradas de terra até o fim da construção. Chegar ao fim da linha. Avançar para onde não há mais limite ou contorno. A maior queda d’água que já vi. Nadar na água gelada, tomar banho na nascente de um grande rio. Dois.

0

I
Carnaval. Pedras. Ônibus. Desgoverno. Ouro-Preto-Mariana. Estradas. Giz-pastel-seco. Dedo de deus. Poesia. Uma cabra. Miles Davis. Infância. BH. Cama de palha grossa. Mercado público. Loja de colecionador de vinis antigos. Sebos baratos. Futuro. Se um pote de ouro no arco-íris. Grilo-falante. Sandálias de couro. Pimenta, couve e cachaça. Igrejas. Duas tranças de fios negros. Cartas.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Vontade de beber um copo inteiro de violetas para me aveludar por dentro.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Quando o verão encontra o fim da primavera, ou quase

Incapaz de amar, ele se retirou.
Incapaz de não amar, ela se retirou.

Talvez aqui comece suas histórias.
Do homem que não amava.
E da mulher que não sabia não amar.

E o que ele me deu foi a impossibilidade de se fazer rostidade. Ele me deu um deserto.
Como se faz para atravessar um deserto?

terça-feira, 3 de junho de 2014

E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal, já dizia Cecília Meireles.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

meu coração vagabundo quer guardar o mundo
em mim

domingo, 27 de abril de 2014

Delmo Montenegro livro "Recife, No Hay."

Poeta que não conhecia até ler a crítica (sempre tão especial) de Manoel Ricardo de Lima, publicada ontem - http://www.revistapessoa.com/2014/04/no-hay-nada/


“Eros Unbound”



sim, seremos amantes


solte sua voz

valvulada


durma comigo


seja meu cadáver esta noite


depois

ponha

os cílios postiços

e

desapareça


sem amor, sem paradas cardíacas

sejamos


apenas


dóceis animais empalhados


– ouça agora, revolva agora –

meu nome


é cão

– abra meu zíper –


palhas


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Sonhoar

Um trampolim de ponta, em beira

terça-feira, 1 de abril de 2014

In memória dos sonhadores

Não entendo nada. Agulhas, fios, não entendo nada. Não faz mal, entender, também não é motivo, não ter motivo, só ter vontades. Mesmo assim, são muitas investigações pelo caminho, onde moram todos os esforços, e o que você coloca neles. A pele que ela disse que você não tem, e vai fazendo subir pêlos arrepios contínuos e a sensação de febre constante como se levasse infinitas e sucessivas vezes, o calor e o frio para constituir um mínimo de superfície Carne exposta, você não suporta o cheiro da carne crua nas lojas de carne. Não suporta, a pele retirada do corpo, o horror de desossar os frangos, são pequenos atos bárbaros no cotidiano. Você não acessa esse cheiro de morte que paira sobre os frigoríferos, nos dentes que mastigam, no pavor que sente e que diverte depois sorrisos das pessoas que você ama profundo. Só querer seduzir a si mesmo. O nojo. Um medo enorme. Grandes grades gralhas, armadilhas, enredos e engodos. Um martelinho na mão. Palavras que já estavam lá, peixes roubados do aquário rosa, quase cintilantes, tinham uma beleza insólita, e erravam de alvo, os tiros, a metralhadora que ele carrega é letal, está cheia de lodo escuro, de uma escuridão quase absoluta funestas. Os carros fúnebres, alegoria. Uma banda que toca o hino nacional nas ruas, ela anda de mãos dadas com adultos pela rua cheia de gente, tem bandeirinhas como as das festas de São João e algazarra, tem o som dos tambores, e uma alegria imunda pela rua. Ela ainda é criança e muito pequena não sabe que os generais mandaram matar todos os sonhadores daquela cidade, não sabe identificar o ar fúnebre que ronda e paira um cheiro de morte nos tambores que a banda bate com força e marcha na avenida principal da cidade.

(Primeiro, 16.01.2014)

terça-feira, 25 de março de 2014

Descobri algo, mon cher
Vou incorporar a fratura e a queda na escrita.
Toda vez que me sentir prestes a
                                                        
                                  criar um (rio) ir possível 
Emlguns silêncios,  os gritos e as dores. E talvez.
Nascer seja como morrer.
[É isso, :   há vidas que duram a solidão dos aquários]
há que se abandoná-las, e partir.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

fragmento,

"O que acontece? Ele perde tudo. Mas perde tudo como se fosse nada. Perde tudo como se não houvesse diferença entre perder e ganhar. Nada mais do universo dessa circulação e das quantidades pode tocá-lo. Porque tudo isso foi reduzido a dimensão do MESMO. Como ele diz, como a gente ouve num momento bem impressionante: 'O Capital perdeu a sua qualidade narrativa', ou seja, ele não conta mais nada, ou seja, ele não diz mais nada, ele simplesmente dissolve os objetos através de uma circulação incessante. E dentro desse universo, a única coisa real é o choque. A única coisa real é a colisão. A única coisa real é a crise. A única coisa real é a morte. Ou seja a única coisa real é a dissolução."

fragmento do comentário sobre o filme Cosmópolis, de David Cronenberg, em

[Falar de si, lá onde não há mais si mesmo - Vladimir Safatle, disponível em http://www.cpflcultura.com.br/2012/10/05/falar-de-si-mesmo-la-onde-nao-ha-mais-si-mesmo-a-arte-contemporanea-e-sua-forca-construtiva-vladimir-safatle/]

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

M7 M7bis, Station Stalingrad


Vi você na rua outro dia, antes ainda. No corpo esbelto fino da modelo alemã. Vi depois no metro, no meio da tarde, você me olhou e fez que não era nada, esqueceu de cumprimentar. Eu ri um pouco dessa sua descompostura. E uma última vez, você usava aquele blazer azul de lã, de inverno, tão frio na rua, e uma calça cáqui. Dessa vez você não me viu. Estava muito ocupado ouvindo atentamente o que menina de cabelos longos dizia, eu andava pelo parque e cruzei com você, você estava bonito. Tentei desviar a rota, escolhi uma estradinha cheia de poças, mas o caminho ficou tão lamacento, que acabei voltando para a rua principal do parque e foi aí que segui você de longe, até você sumir naquela curva, com a menina. Eu fico pensando nesse olho opaco, que desfragmenta e faz fratura, que arremessa as imagens uma a uma pelos ares. Eu fico atenta, tenho tentado estar mais atenta, mas alguma coisa sempre me distrai, como uma ponte uns dias atrás, cheia de cadeados prendendo o amor e isso e me causou certa repulsa. Não gosto da imagem de um amor preso num cadeado. Não parece amor, me parece outra coisa. Como se houvesse uma obrigatoriedade. E acho que o amor não tem nada dessas coisas. Tem é com vontade, com o que costumamos chamar de saudades, com querer estar perto, ter vontade de abraçar e de pedir por beijos no escuro. Penso também neste tempo estranho quando não se consegue distinguir muito bem entre uma coisa e outra. Como lembro ter ficado alguns meses impossibilitada de encontrar abrigo em qualquer coisa, sem encontrar nem mesmo uma palavra ou uma imagem que justificasse, e aí, como uma espécie de apagamento, eu via e ouvia o mundo, mas nada dele eu conseguia tocar. Não que eu não tocasse ou não tentasse. Eu estive muito perto até da voz e da pele, mas é como se, ao tocar e ao ouvir aquela voz, ao mesmo tempo, não conseguir acessar aquele instante, não havia ali nenhuma voz humana capaz de me fazer estremecer. Eu estava intocada, com veludos escuros fazendo essa barreira estranha, macia, aveludada. Talvez essa barreira que meu corpo criou foi para me proteger. O tempo é mesmo estranho, já fazia meses que ele havia partido quando isso aconteceu. E o silêncio que fui acometida durou todo o último inverno. Estou dentro de outro inverno agora, porque viajei, e deixei o verão para trás. Sei que o calor anda aterrorizante, e sei também, que é apenas por estar mais longe agora, que eu consiga sentir falta dele, falta da areia do mar, e de sentir o toque morno na planta dos pés, como o afago terno que não consigo esquecer, o gesto ligeiro e derradeiro, um derramamento insólito e quando vem esta vontade, uma bobeira de andar na beira da praia no sol outra vez. Agora que sou na materialidade concreta do signo, um estrangeiro, tenho sentido tanto, tudo, e às vezes tenho a sensação de febre. O meu corpo não alcança ainda, ou parece não conter todo esse tanto. Então estranho e não sei distinguir o calor do frio. Enquanto escorrem gotas e mais gotas de suor pelos meus braços, meus pés ficam gelados e o frio se torna aterrorizante por um tempo, invade o meio das costas, e mesmo o chá quente e o casaco não conseguem me aquecer. Penso então, e outra vez, como isso me perturba às vezes, não saber distinguir muito bem entre uma coisa e outra. Ter no corpo em pleno inverno, um verão, que subtrai e acrescenta calor ao mesmo tempo. Essas variações, avariações de mim.


domingo, 19 de janeiro de 2014

Excrescência

Substantivo feminino: Saliência; elevação que ocorre sobre a superfície de alguma coisa: excrescência observada num terreno qualquer. O que retira o equilíbrio completo de alguma coisa. Aquilo que está em excesso; o que nasce a mais. Figurado. Coisa inútil ou desnecessária: modificar o sentido de um texto pode ser uma excrescência estilística. Patologia. Tumor, mais ou menos volumoso, presente na superfície de um órgão.
(Etm. do latim: excrescentia)

(fonte:http://www.dicio.com.br/excrescencia/)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Esboço

Ela guarda imagens dentro de um envelope - tamanho: pequenos e variados. Não interessam as imagens. Mas o seu emaranhado. O baralhamento delas.
Um acúmulo de imagens.
Sobrepostas, fragmentárias, aos pedaços, as imagens sobrepostas, recortadas.
Uma sobre as outras. Todas elas juntas, aqui. Uma nova imagem. Pedaços. Acúmulo. Uma única imagem: despedaçada e inteira ao mesmo tempo.