sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

M7 M7bis, Station Stalingrad


Vi você na rua outro dia, antes ainda. No corpo esbelto fino da modelo alemã. Vi depois no metro, no meio da tarde, você me olhou e fez que não era nada, esqueceu de cumprimentar. Eu ri um pouco dessa sua descompostura. E uma última vez, você usava aquele blazer azul de lã, de inverno, tão frio na rua, e uma calça cáqui. Dessa vez você não me viu. Estava muito ocupado ouvindo atentamente o que menina de cabelos longos dizia, eu andava pelo parque e cruzei com você, você estava bonito. Tentei desviar a rota, escolhi uma estradinha cheia de poças, mas o caminho ficou tão lamacento, que acabei voltando para a rua principal do parque e foi aí que segui você de longe, até você sumir naquela curva, com a menina. Eu fico pensando nesse olho opaco, que desfragmenta e faz fratura, que arremessa as imagens uma a uma pelos ares. Eu fico atenta, tenho tentado estar mais atenta, mas alguma coisa sempre me distrai, como uma ponte uns dias atrás, cheia de cadeados prendendo o amor e isso e me causou certa repulsa. Não gosto da imagem de um amor preso num cadeado. Não parece amor, me parece outra coisa. Como se houvesse uma obrigatoriedade. E acho que o amor não tem nada dessas coisas. Tem é com vontade, com o que costumamos chamar de saudades, com querer estar perto, ter vontade de abraçar e de pedir por beijos no escuro. Penso também neste tempo estranho quando não se consegue distinguir muito bem entre uma coisa e outra. Como lembro ter ficado alguns meses impossibilitada de encontrar abrigo em qualquer coisa, sem encontrar nem mesmo uma palavra ou uma imagem que justificasse, e aí, como uma espécie de apagamento, eu via e ouvia o mundo, mas nada dele eu conseguia tocar. Não que eu não tocasse ou não tentasse. Eu estive muito perto até da voz e da pele, mas é como se, ao tocar e ao ouvir aquela voz, ao mesmo tempo, não conseguir acessar aquele instante, não havia ali nenhuma voz humana capaz de me fazer estremecer. Eu estava intocada, com veludos escuros fazendo essa barreira estranha, macia, aveludada. Talvez essa barreira que meu corpo criou foi para me proteger. O tempo é mesmo estranho, já fazia meses que ele havia partido quando isso aconteceu. E o silêncio que fui acometida durou todo o último inverno. Estou dentro de outro inverno agora, porque viajei, e deixei o verão para trás. Sei que o calor anda aterrorizante, e sei também, que é apenas por estar mais longe agora, que eu consiga sentir falta dele, falta da areia do mar, e de sentir o toque morno na planta dos pés, como o afago terno que não consigo esquecer, o gesto ligeiro e derradeiro, um derramamento insólito e quando vem esta vontade, uma bobeira de andar na beira da praia no sol outra vez. Agora que sou na materialidade concreta do signo, um estrangeiro, tenho sentido tanto, tudo, e às vezes tenho a sensação de febre. O meu corpo não alcança ainda, ou parece não conter todo esse tanto. Então estranho e não sei distinguir o calor do frio. Enquanto escorrem gotas e mais gotas de suor pelos meus braços, meus pés ficam gelados e o frio se torna aterrorizante por um tempo, invade o meio das costas, e mesmo o chá quente e o casaco não conseguem me aquecer. Penso então, e outra vez, como isso me perturba às vezes, não saber distinguir muito bem entre uma coisa e outra. Ter no corpo em pleno inverno, um verão, que subtrai e acrescenta calor ao mesmo tempo. Essas variações, avariações de mim.


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