Abro um livro e ele é uma memória.
Toco nas páginas e é como se eu tocasse outra vez o teu corpo.
A distância do tempo, das horas, se desfazem, assim como nosso último encontro. Fazia cinco anos, e tudo estava vivo, intenso, alucinadamente intenso demais. Sempre foi demais. Tenho medo. Tenho medo de abrir o livro e ver o que vou encontrar lá. Se no primeiro toque teu corpo me encharca, os olhos molham. Porque eu haveria de abrir esse corpo? Outra vez, e abismar tantos anos. A memória é intensiva. Um campo afetivo explode em silêncio. Uma explosão silenciosa de todas as letras que nós nunca nos dissemos. Porque todas elas eram excessivas. Uma palavra tua. Era. O mar inteiro. Eu nunca soube porque. Mas agora eu me lembro. Eu me lembro. Eu me lembro que as duas vezes que você veio na minha direção eu fugi, longe, corri pra longe, parecia que o infinito não cabia na minha pele.
Gosto da frase de Petra Costa no documentário Elena, 'se você me toca eu viro água', eu desmancho. E você nem sequer respondeu o meu último email, o último sonho que eu tive com você. No último encontro você me contou de uma vida que parecia engraçada. Comandos militares para meninos, pagando por coisas sem sentido, e você dizia que tudo que você fazia você pensava em quanto me faria rir, você me conta que conheceu uma psicóloga que tinha o meu nome, toda tua vida eu tava lá, como uma memória, uma lembrança, um endereçamento que nunca pode acontecer até o fim.
E agora eu toco no livro da Teoria da Poesia Concreta e você mora nele, e eu nem sabia, que tava guardado todo esse tempo. Tenho medo. Mas vou abrir o livro e te encontrar de novo.